Lembra-te: és pó

0
2169

Causa certo desconforto contemplar um sepulcro aberto e, juntamente com uns poucos ossos, ver um pouco de pó ou cinza, resquícios de um corpo humano que se decompôs.

Na abertura do tempo quaresmal são impostas cinzas sobre a cabeça dos fiéis que participam da ação litúrgica. Elas simbolizam a caducidade da vida humana. Acompanha a imposição de cinzas a expressão: “Lembra-te que és pó, e ao pó retornarás”.

As cinzas usadas na ação litúrgica são antecipadamente preparadas, com os ramos do Domingo de Ramos. Eles eram verdes e secaram; agora são transformados em cinzas.

O gesto litúrgico expressa uma verdade: tudo se torna cinza. Nossa casa, roupas, móveis, o próprio dinheiro; plantas, bosques, florestas. Os animais de estimação – ou não. As pessoas com quem convivemos; pessoas que se tornaram grandes, que fizeram história; pessoas poderosas, pobres, ricas; gênios das ciências, das artes, dos esportes, enfim, tudo que é vida, aos poucos, torna-se cinza.

O gesto de impor cinzas sobre a cabeça dos fiéis nos convida a tomar consciência da caducidade que acompanha a vida humana. O rito, simples e austero, aponta para a humana fragilidade e ao mesmo tempo pede um acréscimo de fé. O gesto é um incentivo para que tomemos maior consciência do justo valor das coisas terrenas.

Durante 40 dias a comunidade de fé é convidada a desenvolver uma maior consciência da própria existência e, ao mesmo tempo, se exercitar no caminho de vida proposto por Jesus Cristo, por meio, sobretudo, das tradicionais práticas do jejum, da esmola e da oração. Trata-se de um caminho de conversão, isto é, de empenho por maior sintonia pessoal, comunitária e social com a proposta do Evangelho do Crucificado-Ressuscitado.

Anualmente, a Igreja do Brasil propõe, durante a Quaresma, o engajamento de todos os fiéis numa campanha denominada “da fraternidade”. É que o processo de conversão que cada fiel, particularmente durante este tempo, é convidado a assumir, possui dimensão pessoal, comunitária e social (cf. Tg 1, 27).

A Campanha da Fraternidade é um modo privilegiado pelo qual a Igreja do Brasil vivencia a Quaresma, recordando-nos que não se pode separar a conversão do serviço aos irmãos e irmãs, à sociedade e ao planeta. Ela representa um convite vigoroso a alargar o olhar e a perceber que o pecado ameaça a vida como um todo.

Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre