Papa Francisco durante abertura do Sínodo

João Gabriel da Cruz Andrade1

INTRODUÇÃO

 Desde sua eleição em 2013 o papa Francisco aponta para a sinodalidade como uma marca de seu pontificado. Em entrevista concedida em agosto do mesmo ano, ao ser questionado sobre como conciliar harmonicamente o primado petrino e a sinodalidade, este respondeu: “Devemos caminhar juntos: as pessoas, os Bispos e o Papa. A sinodalidade vive-se a vários níveis. Talvez seja tempo de mudar a metodologia do sínodo, porque a atual parece-me estática” 2.

É perceptível que o papa fez do sínodo uma grande ferramenta para seu pontificado; em suas próprias palavras, este reconhece: “Desde o início do meu ministério como Bispo de Roma, pretendi valorizar o Sínodo, que constitui um dos legados mais preciosos da última sessão conciliar” 3. Portanto, o atual momento sinodal em que a Igreja se encontra já é habitual no pontificado de Francisco. A XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão é o quinto sínodo que o papa verá acontecer em seus nove anos como pontífice, sendo que já se realizaram dois ordinários, um extraordinários e um especial.

Desta forma vale refletir sobre o que o papa quer comunicar à Igreja quando clama por uma Igreja sinodal após ter se utilizado da ferramenta sinodal tantas vezes para abordar assuntos que nitidamente são caros para seu pontificado e para a própria Igreja. Inclusive deve-se também questionar o que esperar do presente sínodo. Os outros sínodos que refletiram sobre a família, jovens e a Amazônia causaram um  grande impacto, tanto na expectativa e discussões que ocorriam durante suas preparações quanto na recepção dos pronunciamentos oficiais do papa após o término das reuniões, e o atual sínodo, apesar de ser o que mais envolve os fiéis, parece não despertar tanta atenção como os outros sínodos que abordavam temas mais específicos.

Assim para se refletir sobre o presente sínodo talvez seja necessário primeiramente fazer memória sobre alguns pontos do pontificados do papa Francisco, começando com os sínodos no pontificado do Papa Francisco (1), para assim refletir sobre a necessidade de um sínodo sobre sinodalidade (2), e por fim explanar sobre o Sínodo dos bispos: “por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, temática e intenção (3).

 1-   OS SÍNODOS NO PONTIFICADO DO PAPA FRANCISCO

 As assembleias gerais ordinárias do Sínodo dos bispos “constitui um dos legados mais preciosos do Concílio Vaticano II” 4. Em 1965, no clima do encerramento do Concílio Vaticano II, o Beato Paulo VI, com o Motu Proprio Apostolica Sollicitudo, instituía o sínodo dos bispos e definia que “a missão do Sínodo dos Bispos é, pela sua própria natureza, informar e aconselhar” 5. Desde então o sínodo dos bispos se tornou uma maneira de “repropor a imagem do Concílio Ecuménico e refletir o seu espírito e o seu método” 6.

O sínodo dos bispos, que pode ser reunido em “assembleia geral, grupo extraordinário e grupo especial” 7, se tornou então “um estímulo para todos os Bispos católicos a fazer parte, de maneira mais evidente e eficaz, da solicitude do Bispo de Roma para a Igreja Universal” 8. Em especial, o papa Francisco assinala que “o caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do Terceiro Milênio” 9, e por isso é um instrumento sempre valorizado e destacado pelo papa.

Em Outubro de 2013 Francisco convocou seu primeiro sínodo extraordinário. A terceira Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos abordou como tema os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização e realizou- se em outubro de 2014 10. Na sua abertura o papa já sinalizava que “as assembleias sinodais não servem para discutir ideias bonitas e originais, nem para ver quem é mais inteligente… Servem para cultivar e guardar melhor a vinha do Senhor, para cooperar no seu sonho, no seu projeto de amor a respeito do seu povo” 11. No encerramento do sínodo, que foi coroado com a beatificação do papa Paulo VI, o papa Francisco pareceu satisfeito com os trabalhos sinodais: “pastores e leigos de todo o mundo trouxeram aqui a Roma a voz das suas Igrejas particulares para ajudar as famílias de hoje a caminharem pela estrada do Evangelho, com o olhar fixo em Jesus” 12.

Porém o sínodo extraordinário sobre a Família não esgotou as discussões sinodais acerca do assunto. Como indicava o Instrumentum laboris do sínodo extraordinário da Família em 2014, havia pontos sobre a temática família que seriam abordados somente na assembleia geral ordinária de 2015.13 Sendo assim a Assembleia geral ordinária de 2015 deu continuidade aos trabalhos do sínodo de 2014 abordando como tema A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo. Vale lembrar que em ambos os sínodos “todo o Povo de Deus foi envolvido no processo de reflexão e aprofundamento, graças também à guia semanal do Santo Padre que, com as suas catequeses sobre a família nas Audiências gerais e em várias outras ocasiões” 14.

Os dois Sínodos sobre a Família geraram a exortação apostólica pós-sinodal Amoris laetitia, publicada em 2016, na qual o papa Francisco assinala que “o caminho sinodal permitiu analisar a situação das famílias no mundo atual, alargar a nossa perspectiva e reavivar a nossa consciência sobre a importância do matrimônio e da família” 15.

Em 2018, a XV Assembleia Geral Ordinária Do Sínodo dos Bispos, ocorreu em torno do tema: Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. O sínodo dos jovens, como ficou conhecido, em síntese, buscou refletir que “para a pastoral, os jovens são sujeitos e não objetos. Na prática, eles são muitas vezes tratados pela sociedade como uma presença inútil ou importuna: a Igreja não pode reproduzir esta atitude, porque todos os jovens, sem exclusão alguma, têm o direito de ser acompanhados no seu caminho” 16. Focado na escuta, principalmente dos jovens, este sínodo produziu um Documento final profundo que identificou que “os jovens pedem que a Igreja resplandeça por autenticidade, exemplaridade, competência, corresponsabilidade e solidez cultural” 17. O papa Francisco, apresentou também, como fruto da escuta sinodal, a exortação apostólica pós-sinodal Christus Vivit, endereçada aos jovens e a todo o povo de Deus, publicada em março de 2019.

É importante também apontar que ainda em 2018 foi publicada a constituição apostólica Episcopalis Communio, sobre o sínodo dos bispos, que atualizava o instrumento sinodal apresentado no Motu proprio Apostolica sollicitudo de Paulo VI e no Código de direito Canônico. O objetivo das modificações, já previstas como necessárias com o tempo pelo próprio Papa Paulo VI quando instituiu o sínodo dos bispos18, são tornar, segundo o papa Francisco, o sínodo dos bispos “cada vez mais um instrumento privilegiado de escuta do Povo de Deus” 19.

Em outubro 2019, de acordo com o anúncio do Papa Francisco no dia 15 de outubro de 2017, a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para refletir sobre novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral se realizou com o tema: Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. Vale lembrar que “o tema ressoa grandes linhas pastorais características do Papa Francisco” 20, pois a encíclica Laudato Si’ de 2015 já chamava atenção profeticamente para as questões ambientais e uma ecologia integral.21 Após ouvir o sínodo o papa publicou a Exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazonia logo no início de 2020.

Após todas essas experiências sinodais, o tema escolhido para a XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos é: “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. O tema sinodalidade, como pode-se perceber, não é nenhuma novidade no pontificado de Francisco, pois em todos os anos de seu pontificado o sínodo dos bispos esteve em constante funcionamento. Porém sabe-se que falar de sínodo é adentrar no próprio significado de ser Igreja,22 e mais contextualmente, é possível conectar todo o pontificado sinodal do papa Francisco e a necessidade do atual processo de escuta e do sínodo que se realizará em 2023- 24.

2-   NECESSIDADE DE UM SÍNODO SOBRE SINODALIDADE

 Além dos sínodos dos bispos, o Papa Francisco também se utilizou de outras ferramentas ao seu alcance para promover a sinodalidade na Igreja. O pontificado do papa Francisco apresenta uma contribuição inestimável para a atualização e aplicação do Concílio Vaticano II, e assim toca em assuntos que o concílio propôs atualizar sobre a Igreja em nossos tempos.

É consenso que nos anos a frente da Igreja, o papa Francisco contribuiu para iluminar a moral católica combatendo uma perspectiva ideológica fundamentalista e apresentando um equilíbrio entre lei e misericórdia. Para esse fim, o papa celebrou com a Igreja o Jubileu extraordinário da misericórdia (2015 – 2016). Neste mesmo sentido, também reabilitou alguns teólogos que haviam sido punidos ou silenciados pós-Vaticano II, por uma política considerada doutrinária por alguns. Além disso, o papa também focou nas questões socioeconômicas e ambientais em seus discursos e nas encíclicas, Laudato Si’ (2015) e Fratelli tutti (2020) e nas exortações apostólicas, Evangelli Gaudium (2013), Chritus vivit (2019) e Querida Amazonia (2020). Entre outras conquistas e avanços, o papa também promoveu o diálogo com Islã, e reposicionou geopoliticamente a Igreja em direção ao continente asiático.23 O papa também não fugiu de temas mais espinhosos, como o problema dos abusos sexuais de menores e pessoas vulneráveis por parte de membros do clero promovendo o encontro “A proteção dos menores na igreja” (2019) e promulgando a Carta apostólica sob forma de motu próprio Vos estis lux mundi (2019), e, atualmente, também promulgou a constituição apostólica Praedicate Evangelium (2022) que reforma a Cúria Romana e a Carta apostólica sob forma de motu próprio Traditionis Custodes, sobre o uso da Liturgia Romana anterior à reforma de 1970 (2021), complementada pela Carta Apostólica Desiderio desideravi, sobre a formação litúrgica do Povo de Deus (2022).

Entretanto, mesmo com todos esses avanços, o Papa Francisco não conquistou somente admiradores. Não se pode negar que na tentativa de uma Igreja que transpareça sinodalidade o papa conquistou alguns “inimigos” de seu pontificado e de suas ideais. Acusações de ser dessacralizante, herege, marxista, peronista, comunista, populista e cismático, são alguns adjetivos que o papa recebeu com o decorrer dos anos de seu pontificado.24 O surgimento de grupos sedevacantista e anti-Vaticano II, declarados ou não, que esperam um papa anacrônico, também são uma nova ala na Igreja que vêm se mostrando mais fortemente nas redes sociais.

Pode-se observar também no Brasil, por exemplo, a CNBB, que recebe duras críticas infundadas, espalhadas muitas vezes por fake news, que acabam refletindo em dificuldades encontradas por alguns bispos em dialogar e a terem autoridade em suas dioceses. Da mesma forma, muitos padres e bispos ignoram propositalmente o convite de uma Igreja em saída ou outras indicações pastorais do papa, e acabam caminhando em caminho contrário. E de maneira mais sensível, pastoralmente é possível perceber falta de sinodalidade entre as dioceses, entre as paróquias e comunidades, entre os movimentos e entre o clero.

Só nestas superficiais observações pode-se intuir que falar sobre sinodalidade é essencial no projeto que o Papa desenvolve em seu pontificado neste momento histórico da Igreja. Mais que promover reformas e apontar caminhos, é importante garantir que os caminhos apontados serão seguidos em unidade.

Vale lembrar então que “o caminho sinodal exprime e promove a sua catolicidade em duplo sentido: mostra a forma dinâmica na qual a plenitude da fé é compartilhada por todos os membros do povo de Deus e propicia a sua comunicação a todos os homens e a todos os povos” 25. Ou seja, o caminho sinodal é a plenitude da fé é compartilhada. Se há grupos que não conseguem caminhar juntos é porque estão provavelmente se apegando a uma fé parcial que deve ser enriquecida pela comunhão sinodal e dialogal da fé Católica que leva à unidade na fé.

3     – O SÍNODO DOS BISPOS: “POR UMA IGREJA SINODAL: COMUNHÃO, PARTICIPAÇÃO E MISSÃO”, TEMÁTICA E INTENÇÃO.

Tanto a metodologia quanto a intenção do presente sínodo não fogem daquilo que é próprio de uma Igreja sinodal, que é “uma Igreja da escuta, ciente de que escutar é mais do que ouvir. É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio Episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros, e todos à escuta do Espírito Santo” 26. Porém vale destrinchar a temática “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, para se compreender o encaixe do presente sínodo no projeto de Igreja sinodal no qual se aplica o pontificado de Francisco.

3.1.   Por uma Igreja Sinodal

 Quando o sínodo dos bispos tematiza a máxima “Por um Igreja sinodal”, ele automaticamente reafirma a sinodalidade como dimensão ontológica da constituição eclesial.27 Portanto, aquilo que, “de certo modo está já tudo contido na palavra “Sínodo”, caminhar juntos – leigos, pastores, Bispo de Roma” 28, é mais uma vez afirmado. Ao se perceber a falta de sinodalidade em grupos ou posições dentro da Igreja, uma grande tentação é apelar para autoridade hierárquica que faz parte da estrutura eclesiástica. Porém é justamente esse apelativo hierárquico que pode se tornar um grande inimigo do instrumento sinodal. O clericalismo, enfaticamente combatido pelo papa, pode ser definido como um “corporativismo do clero” 29, que ocorre quando os clérigos (apoiados por leigos) se projetam dentro de uma perspectiva de regime de cristandade, se julgando acima de qualquer lei e portadores de poderes autoritários. É “uma tentação permanente dos sacerdotes, que interpretam o ministério recebido como poder que se exerce, mais que um serviço gratuito e generoso a oferecer” 30.

O documento preparatório apresenta que o sínodo deve ser um “processo eclesial participativo e inclusivo, que ofereça a cada um – de maneira particular àqueles que, por vários motivos, se encontram à margem – a oportunidade de se expressar e de ser ouvido, a fim de contribuir para a construção do Povo de Deus”

  1. 31. Desta forma o chamado por uma Igreja sinodal é um caminho para se “descobrir e valorizar as diferentes vocações, carismas e ministérios” 32, de forma que o clericalismo dê cada vez mais espaço para a escuta e o diálogo entre as diferentes e ricas vocações existentes na Igreja.

3.2.    Comunhão

 Entretanto, outro perigo que pode atrapalhar os frutos sinodais é interpretar sinodalidade como democracia. A “sinodalidade não é democracia na Igreja, é koinonia (comunhão), uma dimensão constitutiva da Igreja. Essa palavra grega significa o que há de comum (com-munis = condividir os afazeres, as obrigações, a carga a carregar), indica companheirismo, participação, solidariedade e, sobretudo, comunhão íntima e interligada” 33.

O sínodo é sempre consultivo e só se torna, no caso dos sínodos dos bispos, deliberativo, quando o Romano Pontífice confere a um sínodo específico este o poder.34 Não se deve assim interpretar um sínodo como um parlamento democrático. A democracia é uma forma de governo em que o poder de última titularidade pertence ao povo, e, na Igreja, a titularidade última e suprema pertence a Deus. Por isso a Igreja é chamada de povo de Deus constituído como koinomia.35

Não se perde de vista assim o papel vital e força da voz do magistério na Igreja. Porém, ao se falar de Igreja sinodal enquanto koinomia, percebe-se a necessidade de que todos devem ser ouvidos da Igreja. E a razão desse processo de escuta consiste no fato de que todos, enquanto povo de Deus na Igreja, são guiados pelo Espírito Santo e dotados do instinto da fé (sensus fidei).36

É por isso que o atual sínodo aponta como um principio de sinodalidade a vivência de “um processo eclesial participativo e inclusivo, que ofereça a cada um – de maneira particular àqueles que, por vários motivos, se encontram à margem – a oportunidade de se expressar e de ser ouvido, a fim de contribuir para a construção do Povo de Deus” 37. O processo de escuta é o instrumento por excelência para se conscientizar uma Igreja que deve sempre caminhar em comunhão, principalmente em tempos marcados por polarizações nos mais diversos campos da sociedade e da própria Igreja.

3.3.   Participação.

 Ao utilizar a palavra participação, o sínodo assume a eclesiologia do Concilio Vaticano II de “povo de Deus” tão insistida pelo atual papa que, desde a sua primeira exortação apostólica Evangelii Gaudium, aponta a participação ativa de todos os fiéis na Igreja enquanto batizados em todos os campos eclesiais.38

Sem a visão de uma Igreja como povo de Deus não se consegue compreender o que é a sinodalidade. A Igreja é a inclusão de todos os fiéis: papa, bispos, padres, diáconos, religiosos, leigos e leigas, que vocacionados a partir do batismo pelo Espírito Santo, caminham e agem pastoralmente juntos.39

Entretanto, na história da Igreja, pode-se perceber que o protagonismo ativo foi se configurando em uma responsabilidade somente dos clérigos.40 E da mesma forma, mesmo após as expressas indicações do Concílio Vaticano II, do Código de Direito Canônico e de diversos documentos do magistério em se promover um maior espaço de participação para os leigos, ainda parece ser um desafio falar em participação ativa na ação pastoral da Igreja.

Atualmente, a concepção de participação parece ter sido mais compreendida e aplicada no campo litúrgico, porém não é uma prática tão cobrada nas ações pastorais pelos ministros ordenados. Isso não só demonstra uma ação eclesial que se preocupa exclusivamente com os aspectos celebrativos e desconsidera ou diminui a importância de outras práticas cristãs ligadas ao social, a economia e à política, mas também demonstra certa resistência ainda existente em se promover uma pastoral participativa, já que, o que predomina é uma pastoral de concessão encabeçada pelo já citado clericalismo.

Por outro lado, na prática, parece ainda haver uma confusão entre os limites da participação dos leigos e o que é próprio dos ministros ordenados. Deve-se lembrar de que o conceito de Igreja como povo de Deus não contrapõe o conceito de Igreja como corpo de Cristo. Os dois conceitos devem estar sempre conectados. A ideia de Igreja corpo de Cristo é importante pois além de destacar a autoridade da cabeça que é Cristo, também aponta que “qualquer modo de uniformidade é contrário ao Espírito” 41. A Igreja ao se reconhecer povo de Deus, percebe que é essencialmente uma comunhão historicizada, marcada também por conflitos e diversidade de mentalidade,42 mas que acima de tudo caminha junto enquanto povo e enquanto um mesmo corpo requerendo a participação de todos para que a comunhão seja a mais plena possível.

Por fim, em si mesma a própria metodologia do atual sínodo, já clama a participação de todos os fiéis. A divisão do processo sinodal de escuta em quatro fases: diocesana, conferência episcopal, continental e universal, demonstra a intenção de fazer com que todos os fiéis compreendam que a participação que estes prestam em suas igrejas particulares é uma ação ligada diretamente á Igreja Católica, universal, que reverbera gradativamente por todas as instâncias da Igreja, corpo e povo único.

3.4.    Missão.

 Comunhão e participação são noções eclesiais que intuitivamente se conectam, pois a noção de comunhão provém da participação de todos no mesmo Espírito.43 Entretanto não se deve correr o risco de pensar que a Igreja é uma comunhão fechada em si, pois ela é sempre discípula missionária (EG, n.40) e é, segundo a expressão que marca o pontificado de Francisco, uma “Igreja «em saída» é uma Igreja com as portas abertas” (EG, n.46).

O atual sínodo apresenta como questão fundamental refletir “o modo como o povo de Deus caminha em conjunto com toda a família humana. Assim, o olhar contemplará o estado das relações, do diálogo e das eventuais iniciativas comuns com os crentes de outras religiões, com as pessoas afastadas da fé e igualmente com ambientes e grupos sociais específicos, com as respetivas instituições (mundo da política, da cultura, da economia, das finanças, do trabalho, sindicatos e associações empresariais, organizações não governamentais e da sociedade civil, movimentos populares, minorias de vários tipos, pobres e excluídos, etc.)” 44.

Um risco de errada interpretação sinodal é pensar que após um processo de escuta, a Igreja apontará um caminho fechado em si mesmo. O sínodo não é um processo de escuta com a finalidade de saber como “trancar” a Igreja frente aos desafios contemporâneos. Pelo contrário, é um processo de escuta que visa perceber os caminhos por qual a Igreja deve seguir para sair ao encontro de quem precisa receber o Evangelho.

A temática missão aparece então ligada às noções eclesiais de participação e comunhão pois “cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG, n.20).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que o atual sínodo apresenta conceitos chaves que percorrem todo o pontificado do Papa Francisco, que, se empenhando sempre por uma Igreja sinodal, quer tornar realidade as propostas do Concílio Vaticano II, que chamou a atenção da Igreja em ser povo de Deus e corpo de Cristo também nas vivências cotidianas.

Refletindo a temática do atual sínodo, percebe-se que é um sínodo que remete ao que é ser essencialmente Igreja. A Igreja é: sinodal, comunhão, participação e missão. Se um desses conceitos se perde a Igreja se perde também.

A realização do atual sínodo é um resgate que deve sempre ser feito. Em tempos de guerras, de polarizações políticas, de falta de diálogo e abertura ao outro, a Igreja, por estar no mundo, é profética ao clamar por comunhão, participação, missão e sinodalidade, que são indicativos não só para si mesmo, mas caminhos para toda a humanidade.

Citações:

1 João Gabriel da Cruz Andrade, concluiu Filosofia pelo Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto, é graduando em Teologia na mesma instituição. Seminarista da Diocese de São João da Boa Vista. Endereço de e-mail: [email protected].

2 SPADARO, Antonio. Entrevista ao Papa Francisco. Casa Santa Marta, segunda-feira, 19 de Agosto de 2013, 9h50.

3 FRANCISCO. Comemoração Do Cinquentenário Da Instituição Do Sínodo Dos Bispos – Discurso Do Santo Padre Francisco. 17 de Outubro de 2015.

4 FRANCISCO. Episcopalis Communio. n.1. 2018.

5 BEATO PAULO VI. Apostolica Sollicitudo. n.2. 2018.

6 Cf. BEATO PAULO VI, Discurso no início dos trabalhos da I Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 30 de Setembro de 1967.

7 BEATO PAULO VI. Apostolica Sollicitudo. n.4.1965.

8 FRANCISCO. Carta do Papa Francisco ao Secretário-Geral Do Sínodo Dos Bispos por ocasião da elevação à dignidade episcopal do subsecretário. francesco_20140401_cardinale-baldisseri.html.

9 FRANCISCO. Comemoração Do Cinquentenário Da Instituição Do Sínodo Dos Bispos – Discurso Do Santo Padre Francisco. 17 de Outubro de 2015.

10 Cf. SÍNODO DOS BISPOS. Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização. Instrumentum Laboris.

11 FRANCISCO. Homilia do papa Francisco. Basílica Vaticana. Domingo, 5 de Outubro de 2014. Santa missa na aberturado sínodo extraordinário sobre a família.

12 FRANCISCO. Santa Missa de encerramento do Sínodo Extraordinário sobre a Família e Beatificação do Servo de Deus Papa Paulo VI. Homilia do Papa Francisco. 19 de Outubro de 2014.

13 Cf. SÍNODO DOS BISPOS. III ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS. Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização. Instrumentum Laboris.

14 SÍNODO DOS BISPOS. XIV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA. A vocação e a missão da família Na igreja e no mundo contemporâneo. Apresentação.

15 FRANCISCO. Amoris Laetitia. n.2. 2016.

16 SÍNODO DOS BISPOS. XV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA. Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Documento preparatório. III, n.2.

17 SÍNODO DOS BISPOS. XV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA. Os jovens, a fé e o discernimento vocacional documento final. Documento Final. n. 57. 2018

18 Cf. BEATO PAULO VI. Apostolica Sollicitudo, 1965.

19 FRANCISCO. Episcopalis Communio. N.6. 2018.

20 HUMMES, Claúdio card. Discurso introdutório do relator geral. I Assembleia Especial do sínodo dos Bispos para a Amazônia sobre o tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. 7 de Outubro de 2018.

21 Cf. FRANCISCO. Laudato Si’. 2015.

22 Cf. COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. A sinodalidade na vida e na missão da igreja. n.3.

23 FRAGGIOLI, Massimo. Os limites de um pontificado. La Croix International, 14-04-2020. Trad. Moisés Sbardelotto.

24 Cf. GRANA, Francesco Antonio. Papa Francisco e seus inimigos nos 5 anos de Pontificado: de prelados amantes do luxo a políticos corruptos. Il Fatto Quotidiano, 13-03-2018. Trad. Ramiro Mincato.

25 Cf. COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. A sinodalidade na vida e na missão da igreja. n. 58.

26 FRANCISCO. Comemoração do Cinquentenário da Instituição Do Sínodo Dos Bispos – Discurso Do Santo Padre Francisco. 17 de Outubro de 2015.

27 Cf. CIPOLLINI, p 37. 2022.

28 FRANCISCO. Comemoração Do Cinquentenário Da Instituição Do Sínodo Dos Bispos – Discurso Do Santo Padre Francisco. 17 de Outubro de 2015.

29 Cf. CIPOLLINI, p 102. 2022.

30 FRANCISCO, Chritus Vivit, n. 98. 2019.

31 SÍNODO DOS BISPOS. XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. Documento Preparatório. n.2. 2021.

32 FRANCISCO, Mensagem do santo padre Francisco para o 59º dia mundial de oração pelas vocações 2022.

33 Cf. CIPOLLINI, p. 90, 2022.

34 BEATO PAULO VI. Apostolica Sollicitudo. II.1965.

35 Cf. CIPOLLINI, p. 92, 2022.

36 Cf. MIRANDA, p. 42, 2018.

37 SÍNODO DOS BISPOS. XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. Documento Preparatório. n.2. 2021.

38 Cf. MIRANDA, p. 45, 2018.

39 Cf. CIPOLLINI, p. 70, 2022.

40 Cf. MIRANDA, p. 15, 2018.

41 Cf. CIPOLLINI, p. 61-62, 2022.

42 Ibidem, p. 69.

43 Cf. MIRANDA, p. 28, 2018.

44 SÍNODO DOS BISPOS. XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. Documento Preparatório. n.29. 2021.

REFERÊNCIAS:

 BEATO PAULO VI. Discurso no início dos trabalhos da I Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 30 de Setembro de 1967. Disponível em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/la/speeches/1967/september/documents/hf_p- vi_spe_19670930_inizio-lavori-sinodo.html.

                          .Apostolica Sollicitudo. Disponível em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/la/motu_proprio/documents/hf_p-vi_motu- proprio_19650915_apostolica-sollicitudo.html.

CIPOLLINI, Dom Pedro Carlos. Por uma Igreja Sinodal. Sinodalidade, tarefa de todos. 2ªed. São Paulo: Paulus, 2022.

COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. A sinodalidade na vida e na missão da igreja.     Disponível. em: https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20180 302_sinodalita_po.html#_edn4.

FRAGGIOLI, Massimo. Os limites de um pontificado. La Croix International, 14-04- 2020. Trad. Moisés Sbardelotto. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/598060- os-limites-de-um-pontificado-parte-i-artigo-de-massimo-faggioli.

FRANCISCO. Amoris laetitia. Sobre o amor na família. São Paulo: Loyola, 2016.

                   . Carta do Papa Francisco ao Secretário-Geral do Sínodo Dos Bispos por ocasião da elevação à dignidade episcopal do subsecretário. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2014/documents/papa- francesco_20140401_cardinale-baldisseri.html.

                   . Chritus Vivit. Aos jovens e a todo o povo de Deus. Exortação apostólica Pós sinodal. São Paulo: Paulus, 2019.

                   . Comemoração do Cinquentenário da Instituição do Sínodo Dos Bispos

– Discurso Do Santo Padre Francisco. 17 de Outubro de 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/october/documents/papa -francesco_20151017_50-anniversario-sinodo.html#_ftn1.

                   .Episcopalis Communio. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_constitutions/documents/papa- francesco_costituzione-ap_20180915_episcopalis-communio.html.

                   . Evangelli Gaudium. A alegria do Evangelho. São Paulo: Paulinas, 2013.

                   . Homilia do papa Francisco. Basílica Vaticana. Domingo, 5 de Outubro de 2014. Santa missa na aberturado sínodo extraordinário sobre a família. Disponível                                                                                                                em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2014/documents/papa- francesco_20141005_omelia-apertura-sinodo-vescovi.html.

                   . Laudato Si’. Sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Loyola, 2015.

                   . Mensagem do santo padre Francisco para o 59º dia mundial de oração pelas vocações  2022. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/it/messages/vocations/documents/2022050 8-messaggio-59-gm-vocazioni.html

                   . Santa Missa de encerramento do Sínodo Extraordinário sobre a Família e Beatificação do Servo de Deus Papa Paulo VI. Homilia do Papa Francisco.

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SÍNODO DOS BISPOS. XIV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA. A vocação e a

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SÍNODO DOS BISPOS. XV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA. Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Documento preparatório. Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20170113_doc umento-preparatorio-xv_po.html#2._Sujeitos_

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SÍNODO DOS BISPOS. XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. Documento Preparatório.           2021. Disponível em: https://press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2021/09/07/0540/01 156.html#PORTOGHESEOK.

SPADARO, Antonio. Entrevista ao Papa Francisco. Casa Santa Marta, segunda- feira,    19  de  Agosto de 2013, 9h50. Disponível  em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2013/september/documents/p apa-francesco_20130921_intervista-spadaro.html.

Imagem disponível em: Site Canção Nova