Quem é o teu Cristo?

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Jesus saiu com os seus discípulos para as aldeias de Cesaréia de Filipe, e pelo caminho perguntou-lhes: “Quem dizem os homens que eu sou?” Responderam-lhe os discípulos: “João Batista; outros, Elias; outros, um dos profetas”. Então, perguntou-lhes Jesus: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mc 8, 27-29a)

O nome de Jesus e sua figura são coisas intrigantes que habitam no imaginário das pessoas. Todos deveriam ser sinceros consigo mesmos diante desse homem para se perguntar: Quando ouvimos sobre o Cristo, o que pensamos? Como o descrevemos? Quem afirmamos ser ele? Como o definimos? Qual sentimento se aflora?

É fato: o nome de Jesus é conhecido por grande maioria das pessoas do mundo ocidental. O cristianismo, religião que professa a divindade de Jesus Cristo, está no DNA do que entendemos como sociedade. Isso porque a formação cultural de nossos povos, assim como os europeus, graças a colonização, se desenvolveu sobre o alicerce da religião judaico-cristã, da filosofia grega e do direito romano. Foram esses alicerces que moldaram o entendimento da moral, do direito e dos costumes que perpetuaram até os dias atuais. De modo que, a imagem de Jesus é peça chave para o conhecimento do que é o homem atual situado no lado oeste do globo, o que explica a amplitude que o nome de Cristo consegue alcançar. Porém, apesar de ter seu nome conhecido, as pessoas podem não conhecer quem foi e é o Cristo de fato. Ou seja, sabe-se da existência de um suposto homem deus que zela por todos, ou até mesmo de um homem histórico que fora virtuoso, mas não se tem o conhecimento afetivo e efetivo resultante da proximidade e intimidade com sua pessoa em todas as suas formas de presença.

Para ilustrar um pouco do que queremos mostrar, vamos nos remeter a um objeto antigo que clareará um pouco a dificuldade de acesso à pessoa do Cristo. Na Grécia Antiga era costume haver teatros onde eram encenadas epopeias e tragédias gregas. Nas peças de teatro, os atores interpretavam usando máscaras que eram chamadas de personas, que davam a aparência correspondente ao personagem interpretado. A partir das personas, o público não enxergava mais os atores, mas sim os personagens da trama interpretada. A persona era o meio de afastamento entre os atores e o público, para acontecer aproximação entre o público e a trama. Era a troca entre a realidade, que pode ser descrita pelo mero fato de haver homens interpretando, e o imaginário, que é o mundo criado pela imaginação imersa na fantasia do teatro. Ou seja, o público não percebia mais a realidade dos atores, percebia apenas o fantasioso mundo dos personagens.

A dinâmica descrita acima acontece com frequência na vida de todos nós nos pequenos eventos cotidianos: quando assistimos um filme na tv, quando criamos uma expectativa sobre o outro que não corresponde em nada ao que ele é, quando temos um preconceito, quando falamos sobre um assunto que não dominamos. Em suma, a dinâmica da persona ocorre todas as vezes que nos desvinculamos do mundo real para nos apegarmos a uma ideia construída, quando adotamos uma máscara da realidade. Isso não é bom e nem ruim em si quando aplicada nos momentos certos, mas torna-se uma dinâmica tóxica e subversiva se distorcer a Verdade, a realidade e a nossa compreensão sobre as pessoas, principalmente quando se refere a Deus. Traduzindo, quando trocamos a ficção pela realidade.

O homem sempre julga e conceitua aquilo que pertence ao seu mundo para harmonizar e sentir-se bem em um mundo dominado e sob controle, ainda que tal controle seja ilusório. Por isso, ainda que não exista um conhecimento verídico e factível sobre todos os elementos que estão diante dele, o homem tentará dominar o seu mundo julgando todos os elementos segundo algum critério que, no caso de não haver proximidade e intimidade com o fenômeno, será segundo o da persona construída por si ou por outrem. Assim acontece com a pessoa de Jesus. Por ser alguém que tem o nome demasiadamente difundido, Jesus se tornou alguém que todos já ouviram falar, mas poucos tiveram acesso à sua pessoa de fato, ficando apenas com imagens construídas e interpretações humanas que alteram sua essência. Ficaram apenas com personas. Surgindo então vários cristos pessoais, mas nenhum Cristo real. Por esse razão, cabe fazer novamente a pergunta a cada um de nós fundada na Verdade, assim como foi feito para Pedro: quem é Cristo?

Para responder bem tal pergunta, devemos seguir o método apontado pelo próprio Cristo: “Vinde e vede” (Jo 1,39). Sim, o método é aproximar-se de Jesus e conviver com ele, aprender com ele e formar-se nele. Ora, Jesus, sendo Deus, não é uma figura do passado, mas sim um Deus do agora, atual, acessível e relacionável. Sendo possível o seu conhecimento pela intimidade com ele no aproximar-se para que ele se apresente. Essa aproximação ocorre pela convivência na comunidade, no amor ao próximo, na Igreja, nas Sagradas Escrituras, nos Sacramentos da Igreja e na espiritualidade. Somente por esses meios é possível ter uma relação de proximidade e intimidade que apresentam Jesus. Do contrário, o Cristo será apenas interpretação e projeção de um eu. Por isso, O itinerário é um caminho de humildade, de diminuição de si diante do Senhor, para que ele se apresente tal como ele é, e não seja embaçado por um subjetivismo que mascara Deus para promover a vaidade egocêntrica. O encontro com o Senhor é a queda da persona, para haver a Verdade, somente a Verdade. Afinal, o Cristo é a Verdade e a Vida (Jo 14,6).

Seminarista Filipe Cristino da Silva